Gessinger percorre a “Infinita Highway”

O compositor, cantor e instrumentista gaúcho, após bem-sucedida trajetória na banda Engenheiros do Hawaii, passa a publicar livros nos quais fala da condição humana Humberto Gessinger é um artista que pulsa, como poucos, ao ritmo do tempo em que está inserido. Durante as décadas de 1980 e 90, ele estava à frente da banda Engenheiros do Hawaii. Ouviu as suas composições, como “Toda Forma de Poder” e “Infinita Highway”, veiculadas em rádios e conheceu o Brasil apresentando-se em palcos de praticamente todos os estados. Era o período em que fazia todo sentido gravar álbuns, a indústria fonográfica era um grande negócio e Gessinger surfou nessas ondas. Aos 47 anos, ele segue a compor e viaja pelo país para mostrar o repertório do duo Pouca Vogal, ao lado do guitarrista Duca Leindecker. Mas, já faz alguns anos, Gessinger passou a escrever e a publicar livros. Agora, acaba de ser lançado Mapas do Acaso, continuação de Pra Ser Sincero, dois títulos nos quais ele elabora reflexões sobre a própria trajetória e a condição humana – o artista gaúcho também publicou Meu Pequeno Gremista, livro em que fala de seu time do coração.“Sempre gostei de escrever. O que eu não imaginava é que houvesse gente interessada nos meus escritos com a mesma intensidade com que se interessava pela minha música”, diz, referindo-se à boa aceitação de sua obra. Ele tem uma agenda de autógrafos tão lotada como era na época em que fazia música com os Engenheiros. Gessinger conta que desde guri é ligado à leitura, e explica o porquê: “Sempre gostei de ler e sempre fui muito tímido. Livros e discos eram minhas companhias. Textos e canções me mantiveram conectado com o mundo.”

O escritor e seus fantasmas:Gessinger, o escritor, tem como característica principal o apreço pelo detalhe. O autor afirma que, em um mundo cada vez mais uniforme, onde parece haver uma tendência a suprimir as diferenças, é mais do que necessário dar vazão às idiossincrasias e às “eternidades da semana”. “Eu prefiro partir do detalhe, buscar o que é eterno em gestos que duram poucos segundos. Um carinho do pai, um acorde bem tocado, uma bola bem batida”, diz. Ele fala sobre os seus fantasmas, nome que encontrou para definir ecos e ideias que o acompanham, por exemplo, após trocar a guitarra pelo contrabaixo. “Quando passei da guitarra para o contrabaixo, seguiu um fantasma empunhando sua (guitarra) Fender Telecaster. Quando voltei à guitarra, alguns anos depois, nascia um fantasma cercado por baixos Rickenbacker e Steinberg.” O que Gessigner chama de fantasmas dialoga com uma tese do escritor curitibano Jamil Snege (1939-2003), para quem, o segredo da vida é nunca se deixar apanhar. “Se você faz coisas de médico, e alguém insiste em ver apenas o médico em você, construa imediatamente uma casa. Se você faz versos, aprenda a manejar um arado. E se encherem suas mãos de sementes, atire-as para o alto e sopre uma flauta. É em sua extrema fluidez que a vida se mostra mais generosa”, escreveu Snege, no livro Como Eu Se Fiz Por Si Mesmo.No fundo, Gessinger não quer se deixar apanhar. Quando o público pensa que ele é um guitarrista, um baixista ou um compositor, o artista gaúcho passa a publicar livros.

Elogio ao esforço:Gessinger aprendeu, sozinho, a tocar instrumentos de corda, entre os quais violão, bandolim, guitarra, baixo e viola capira. No livro, ele faz um elogio ao esforço. “Vivemos uma época em que se glorifica o que é ‘casual’. Fotos sem foco, textos mal escritos, guitarras desafinadas, tudo se justifica por uma pretensa espontaneidade. Há momentos em que é necessário que seja assim, tempos de urgência. Mas, não acho que seja o caso dos tempos que correm. Talvez devéssemos ser mais ambiciosos, sonhar mais e melhor. Acabamos nos acostumando com muito pouco”, afirma. O artista critica o oba-oba do tempo presente, quando tudo parece ser possível de ser feito de um segundo para o outro.“A tecnologia traz uma armadilha: pela facilidade que a digitalização trouxe, todo mundo se acha músico, escritor, fotógrafo, diretor de cinema. A falta de aprofundamento e densidade de quem emite se reflete na falta de atenção e generosidade de quem recebe. Às vezes, parece que estamos todos falando ao mesmo tempo sem ouvirmos uns aos outros”, argumenta.

Ponto de vista

Em Mapas do Acaso, Humberto Gessinger mira o próprio umbigo e acerta em todos os homens. Ele fala da sua vida, focando em questões que dizem respeito ao ser humano, como o inevitável envelhecimento, o encontro com pessoas, livros e canções. A vontade ou necessidade de dizer o seu discurso criou a banda Engenheiros do Hawaii, em 1985, e desde então, ele é um personagem da História da cultura brasileira. Causa estranhamento a má vontade que parte da crítica demonstra diante de qualquer manifestação de Gessinger. Afinal, ele é inteligente, articulado, transita das reflexões ao humor fino.


Por Marcio Renato dos Santos

Comentários

  1. Pouquíssimas pessoas tem o mesmo nível de Humberto, isso em vários quesitos, tanto em música quanto em opinião, leitura dos fatos, reflexão e expressão.
    É lamentável que a mídia dê mais atenção às porcarias passageiras tipo restart, justin,luan, o funk ou outras culturas descartáveis e de curto prazo.

    Temos muitos artistas incríveis, não precisamos do lixo que a TV nos mostra todo dia, podemos (e devemos) escolher aqueles que realmente fazem arte e tem personalidade, pessoas interessantes como Humberto.

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