Eleições, eleições, eleições...

Escrito por Fábio Zanini

O tempo em que eleições eram anormalidades na África ficou definitivamente para trás. Todos os anos, elas acontecem às dezenas no continente: parlamentares, locais, presidenciais, plebiscitárias. Essa é a boa notícia.A má notícia é que sua qualidade ainda varia muito. Na África, há eleições e eleições, como os últimos dias mostraram.Tivemos desde o mês passado três votações no continente: uma encorajadora, uma promissora e uma farsesca.
Começamos pela melhor delas, o plebiscito no Quênia sobre mudança na Constituição. Está aí um assunto que se arrastava havia quase uma década, e que de tempos em tempos ameaçava destroçar o país do leste africano. Não mais, pelo menos por enquanto.A nova Carta foi aprovada com folga na semana passada. Melhor ainda, os derrotados prometeram respeitar o resultado. Vale lembrar que foi a primeira votação importante no país desde os traumáticos episódios de dois anos e meio atrás, quando uma eleição presidencial fraudada gerou uma onda de confrontos em que mais de mil pessoas perderam a vida.Dessa vez, a Constituição é produto de um acordo entre o presidente Mwai Kibaki e seu primeiro-ministro, Raila Odinga, ex-adversários políticos forçados a um governo de coalizão em nome da estabilidade no país. O documento reduz os poderes presidenciais e descentraliza a autoridade, além de prever melhor distribuição de terras. Num país clivado por etnias e diferenças regionais, era a coisa lógica a ser feita. Se tudo der certo, foi o primeiro passo para uma eleição verdadeiramente democrática quando terminar o mandato de Kibaki, dentro de dois anos.
A eleição que eu chamo de promissora (porque ainda é apenas isso, uma promessa) ocorreu na República da Guiné, ex-colônia francesa no oeste do continente. É um país que desde os anos 60, quando se tornou independente, foi governador por sanguinários e cleptomaníacos. O último, Lansana Conte, morreu no final de 2008, e foi substituído por uma junta militar cujo grande ato de governo foi um massacre de cerca de 200 pessoas que protestavam por melhores condições de vida.O país retomou a rota da democracia com uma eleição considerada livre. Foram para o segundo turno um ex-primeiro-ministro, Cellou Diallo, e um veterano líder da oposição, Alpha Conde. A decisão final já deveria ter sido feita, há três semanas, mas teve de ser adiada em razão de suspeitas de fraude. Está agora marcada para 19 de setembro.Isso demonstra como a situação no país é tensa ainda e como as instituições de Estado ainda são frágeis e sujeitas à influência política. Há ali uma chance não muito maior do que 50% de as coisas funcionarem de maneira pacífica e respeitando a vontade da população. Mas a Guiné é um país cronicamente instável. É preciso esperar para ver.
E a farsa? Sobre essa não há dúvida. Estou falando de Ruanda, onde o presidente Paul Kagame foi reeleito com 93% dos votos, após ter perseguido os únicos opositores críveis no país. No final, apenas aliados posaram de “adversários”, como se Kagame acreditasse que a comunidade internacional é trouxa. Algo como se Lula disputasse uma eleição contra José Genoino e Aloizio Mercadante.
Kagame, um líder autoritário num continente que se democratiza rapidamente, merece os parabéns. Não pela vitória, mas por nos lembrar que nunca é prudente ficar otimista demais com a África.


Fonte:penaafrica.folha.blog.uol.com.br

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