A semana sangrenta em Guiné

Escrito por Fábio Zanini
(Juro que eu sentei na frente do computador disposto a escrever uma história positiva, ou ao menos neutra, sobre a África hoje, mas não teve jeito).


A semana na África foi marcada pela matança em Guiné. É a mesma velha história. Um capitão desconhecido derruba num golpe um regime esclerosado. O novato a princípio é recebido com aplausos por uma população desesperada por mudanças, mas começa em pouco tempo a demonstrar comportamento errático. Promete eleições, depois as cancela, depois a reconfirma, mas desde que possa concorrer. Com fraude e intimidação, atinge seu objetivo.
Mesmo para a previsível história da África, o que aconteceu na Guiné nos últimos dias é chocante. Estamos falando de um país de 10 milhões de habitantes na costa oeste da África, ex-colônia francesa e maior exportador mundial de bauxita (matéria-prima do alumínio).
Metade da população vive abaixo da linha de pobreza. Desde sua independência, em 1958, uma sucessão de péssimos presidentes teve o efeito de uma praga de gafanhotos. Pelos primeiros e longos 26 anos do país, Sekou Touré comandou com mão de ferro a Guiné. De 1984 até o ano passado, o presidente foi Lansana Conte, cuja gestão foi marcada mais pela corrupção do que pela brutalidade (muito embora ele não fosse nenhum Gandhi). Com a morte de Conte depois de uma longa enfermidade em 2008, o jovem capitão Moussa Dadis Camara, de 44 anos, tomou o poder praticamente sem resistência. Desde então, governa (ou desgoverna) o país.
Nessa semana, manifestantes de oposição saíram às ruas para protestar contra a intenção do presidente Camara de disputar (e vencer, na prática) a eleição presidencial marcada para o ano que vem. Se isso ocorrer, ele terá descumprido uma promessa solene que fez ao assumir o poder de entregá-lo pacificamente.
Na última segunda-feira, o exército, leal ao presidente, abriu fogo contra a multidão na capital, Conakry. Morreram 157 pessoas, um massacre como há muito não se via no continente. Essa é a conta dos manifestantes, que ontem fizeram fila em necrotérios da cidade para reconhecer seus companheiros caídos. O governo reconhece que matou 57 pessoas, o que por si só já é uma cifra gigantesca. A lógica aqui é simples: se o próprio Exército reconhece 57 mortos, então o mais provável é que tenham morrido 157 mesmo, como diz a oposição.
A escala do crime é de tal monta que o presidente da Guiné se viu obrigado a admitir que o dia 28 de setembro, o dia do massacre, será “para sempre um símbolo de violência”. Em seguida, dando mais uma demonstração de que seu comportamento é imprevisível e errático, foi às rádios dizer que temia pela sua própria segurança. Ou está de piada e quer se escusar do assassinato em massa que promoveu, ou há realmente algo por trás de seu “medo”. Um golpe dentro do golpe estaria sendo articulado.
Com a palavra, a União Africana. Cenas como as que se observaram em Conakry estão mais para a África da década de 70 do que para o que se espera do continente hoje. O fato é que os últimos dois anos foram de retrocesso democrático, após avanços inegáveis. Exemplos: golpes na Mauritânia e em Madagascar, eleição fraudada na Nigéria, fora a violência no Quênia.
Contra esses abusos, o órgão regional deveria se levantar. Mas após um estranhamento inicial, se cala. Quem o preside é Muhammar Gaddafi, o ditador da Líbia.


Fonte:penaafrica.folha.blog.uol

Comentários

  1. É, a situação da África é muito preocupante,
    mais preocupante ainda é o resto do mundo fazendo dela invisível. bastante complicado =S

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