O julgamento de um senhor da guerra

por Fábio Zanini

Demorou, mas o dia de Charles Taylor, o ex-presidente da Libéria, perante um tribunal, chegou ontem.
Lá estava ele, a mesma presença num terno fino, os mesmos óculos escuros de grife que o fizeram famoso (foto da BBC).
Ele é uma figura elegante, ainda mais surpreendente por ter começado sua, digamos, carreira como um warlord, um senhor da guerra, no meio do mato.
Taylor está preso em Haia, na Holanda. É julgado por uma corte especial instituída pela ONU e pelo governo de Serra Leoa para punir os principais líderes da guerra civil que durou uma década e acabou em 2002. Esta é uma guerra famosa por tristes motivos. Foi ela a popularizar o uso de crianças soldados, roubadas de suas famílias e submetidas a um processo de lavagem cerebral. Sua marca registrada era a mutilação de braços e pernas de civis.
Grande parte foi financiada por diamantes, abundantes em Serra Leoa. A própria indústria do diamante teve de mudar suas regras de controle de origem após o choque provocado pelo conflito.
Numa das pontas do tráfico estava Charles Taylor, então presidente da vizinha Libéria. Ele era o financiador do principal grupo rebelde, a Frente Unida Revolucionária, comprando seus diamantes e vendendo-lhes armamento. Ajudou a perpetuar o conflito e acabou incluído pelo tribunal como um dos seus principais responsáveis. Após ser forçado a deixar o poder, exilou-se na Nigéria e de lá foi transferido para a corte, em 2006. Seu processo começou em 2007 e só ontem ele começou a ser interrogado. A justiça internacional é lenta.
Taylor é definido por quem o conhece como um “showman”. Carismático e de inteligência privilegiada, faz parte da elite de liberianos descendentes de escravos norte-americanos que para lá migraram no século 19. Casou-se pelo menos três vezes, tem um número de filhos incerto e não sabido e gosta de usar a retórica dos pastores evangélicos. Quando se viu obrigado a deixar o cargo de presidente, após muita pressão internacional, disse que aceitava ser o “cordeiro sacrificado”, uma imagem bíblica. Outra que ele gosta de usar é a de ninguém menos que Jesus Cristo. “Ele também foi chamado de assassino em seu tempo”, afirma.
Sua vida política foi bem diferente, obviamente. De guerrilheiro nos anos 90, chegou ao poder pela força bruta de um exército particular. Em 1997, aceitou organizar eleições para legitimar seu poder, como manda o figurino dos golpes de Estado africanos. Venceu confortavelmente, pela força da intimidação. Seus apoiadores tinham um slogan informal: “Ele matou meu pai, matou minha mãe, mas eu votarei nele”.
De certa forma, Taylor acabou sendo uma bênção. A justiça internacional precisa de réus-celebridade, para ser notada e receber apoio político. Taylor certamente é um deles. Sua presença no banco dos réus ajuda a corte para Serra Leoa a ser percebida, ainda mais porque o principal líder rebelde de Serra Leoa, de quem vinham as ordens para cortar os braços inclusive de crianças, Foday Sankoh, morreu na prisão, antes do julgamento.
Em suas memórias, Carla Del Ponte, a ex-procuradora-chefe de outro tribunal sobre crimes de guerra, o da Iugoslávia, narra seu quase desespero quando morre Slobodan Milosevic, o ex-ditador do país, em pleno julgamento. Sem uma celebridade, disse ela, ninguém presta atenção no fato de que há justiça sendo feita, apesar de outras dezenas de implicados anônimos estarem sendo julgados.
Para seu crédito, Taylor não está adotando a tática de Milosevic perante os juízes, de obstruir o processo e passar horas questionando sua legalidade e seu suposto caráter político. O ex-presidente da Libéria ontem começou a responder sobre as 11 acusações que pesam sobre si, entre elas de terrorismo e tortura. “É inacreditável que queiram descrever-me dessa forma, e triste que a promotoria, em razão de desinformação, mentiras e rumores, tente me associar a isso”, disse ele, da maneira calma que é sua marca.
Há ainda 249 testemunhas de defesa para serem ouvidas, e o veredicto deve sair apenas no ano que vem. Sua condenação está longe de ser favas contadas. É preciso estabelecer relações materiais de sua atuação como presidente da Libéria com os crimes em Serra Leoa. Apesar de todas as evidências, não será uma tarefa fácil.

E quanto à Libéria? Vai bem, obrigado, apesar de percalços. Está bem mais segura e com uma das melhores presidentes da atual safra africana, Ellen Johnson-Sirleaf, a primeira mulher a liderar um país no continente. Por lá, Taylor é apenas um fantasma de terno Armani e óculos escuros.

Fonte:penaafrica.folha.blog.uol.com.br

Comentários

  1. Pó que legal a idéia do seu blog!!!!

    Nem sabia quem era Charles Taylor!!
    O.O
    haushaushaus
    Parabéns pelo blog!!

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  2. pois é tambem nem sei quem era esse cara ae o.O

    UASHAUSHAUSHAUSUAUSHUA :P

    mas bom que deu pra fica sabendo ^^, parabens pelo seu blog :D

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