O Luís 14 da África

Escrito por Fábio Zanini

LOBAMBA (SUAZILÂNDIA) – É difícil imaginar que um lugar assim fique a apenas três horas de carro de Johanesburgo, a mais moderna metrópole da África. Mas nada na Suazilândia é esperado, compreensível ou fácil de explicar.
Este é um país sui generis. Uma anomalia geográfica num território em formato circular, espremido entre dois gigantescos Estados, a África do Sul e Moçambique, e sem saída para o mar.Uma das últimas três monarquias do continente (as outras são Marrocos e o Lesoto, outra anomalia da cartografia, aliás) e a última absoluta.

Em quantos países do mundo o rei exerce poder de fato, nos dias de hoje, concentrando em sua pessoa poderes executivos, legislativos e judiciários? Em qual outro lugar a vida urbana tem de se submeter a tradições seculares das quais os suazis se orgulham, mas que enrubescem observadores estrangeiros? Na Suazilândia, o modelito rainha da Inglaterra, preferido pela maior parte das monarquias que sobrevivem no mundo, não funciona. O Estado é sua majestade, o rei Mswati 3°, 41 anos de idade (e sorriso de bebezão), 14 mulheres (na última contagem) e número de filhos desconhecido. O Luís 14 da África (foto do "Daily Telegraph").
Passei rapidamente pela Suazilândia no final de novembro, um país que respira tradição. A própria existência do lugar é produto de uma riquíssima cultura, de uma nação bastante coesa e de espírito guerreiro. Em alguns lugares, parece que todo mundo tem o mesmo sobrenome –os Dlamini, descendentes das famílias que migraram para a região montanhosa vindas do que hoje é Moçambique, por volta do século 16. O rei tem sempre que ser um Dlamini.Em 500 anos de história, os suazis, guerreiros, mas também com um agudo senso de diplomacia, protegeram-se de zulus, boers (colonizadores holandeses) e ingleses. Perderam muito de seu território, mas conseguiram se manter independentes. Ensaiaram adotar uma monarquia parlamentarista ao estilo britânico na independência, em 1968, mas cinco anos depois o embrião de democracia foi anulado pelo lendário rei Sobhuza 2º (pai do atual monarca), considerado o pai da pátria. “Em nome das tradições”, justificou.
E que tradições! O próprio sistema de escolha do rei é singular. Não é necessariamente o mais velho filho do rei que morre, como costuma acontecer em outras monarquias. Ele tem de ser o único filho do rei com sua mãe –não pode ter outros irmãos por parte dos dois pais, apenas meio-irmãos por parte de pai (lembre-se de que a poligamia é uma instituição normal na vida suazi).E, enquanto o rei tem poderes absolutos, sua mãe também goza de grande prestígio político. A rainha-mãe, na Suazilândia, costuma ter enorme influência em assuntos de estado. Há ainda um “conselho real”, que ajuda o rei a escolher o primeiro-ministro e seu gabinete. Todos são demissíveis ao bel prazer do monarca.
Existe, na teoria, um Parlamento independente, mas é fraquinho, fraquinho... O Senado tem 12 membros, chefes de clãs e famílias escolhidos pelo rei. A Câmara baixa tem 55 deputados eleitos diretamente. Mas eles não podem pertencer a partidos políticos, que são todos ilegais. Têm de concorrer como independentes. E, claro, não podem jamais questionar a monarquia ou o poder soberano do rei.
Ah, já ia esquecendo. O rei também escolhe todos os juízes, claro.
No período que passei na Suazilândia, encontrei muita gente insatisfeita com essa situação, mas cuidadosa para não externar isso de maneira muito direta. Um motorista de táxi (adoro conversar com motoristas de táxi, são ótimas fontes) foi quem chegou mais perto de um testemunho radical: “Isso tudo é uma palhaçada”, afirmou. Mas logo em seguida qualificou sua declaração, ressalvando que achava o rei uma pessoa muito justa com seus súditos.
A “Versalhes” suazi fica na vila real de Lobamba, num vale a meio caminho da capital, Mbabane, e do principal centro comercial, Manzini. Ali, numa região belíssima, ficam o palácio de Mswati 3°, o Museu Nacional, um moderno hospital (somente para a família real), o Parlamento e um memorial para o reverenciado rei Sobhuza 2°, que contém algumas pérolas de seu pensamento vivo, num mural. “Partidos políticos de oposição não são aceitos na Suazilândia porque eles se comportam como inimigos. Na África, a oposição é inimiga”, disse o então rei, em 1982.
É nessa região também que se desenrolam cerimônias tradicionais para o rei que param o país todo fim de ano. Falarei delas no próximo texto.

Fonte:penaafrica.folha.blog.uol

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