Ele não aguentava mais. Tinha resistido por muito tempo, tentou de muitas formas e nada. Agora sentia-se cansado, impotente e um tanto quanto culpado diante da antiga constatação: a maioria dos seres humanos lhe eram incompreensíveis. Por vezes não lhes entendia a fala, o raciocínio, o jeito que levavam a vida. Para Ele, eles eram completos estranhos. Quando deparava-se com questões comuns e percebia que seus sentimentos e forma de encarar as coisas eram completamente distintas dos demais, sentia-se só. Devaneava a respeito de ter vindo de outro lugar, de pertencer a outra raça. Essa percepção lhe ocorrera havia muito, mas Ele não queria acreditar. Durante a maior parte de sua vida tentou reverter essa sensação. Observou atentamente como eles agiam, e passou a imitá-los. Não era difícil. Aprendeu tudo, e sorria na hora em que devia sorrir, dizia as coisas que deviam ser ditas, procurou comportar-se exatamente como eles para não chamar tanta atenção. Sabia a hora do comentário correto, sabia quando dizer “graças a deus”, mesmo não tendo certeza que deus era aquele. As normas de convivência que lhe foram passadas eram muito antigas e pertenciam àquele povo desde o começo dos tempos, e todos as seguiam sem titubear. Era assim, e pronto. Certa vez, cometeu o disparate de fazer perguntas. Diante da hostilidade e da surpresa alheia, Ele se calou. Teve medo. Medo de ficar sozinho, de ser banido, de estar errado, de ser julgado e condenado culpado por viver diferente. Sufocou a própria perplexidade e viveu assim durante um bom tempo. No fundo, sentia pena. Olhava para aquelas pessoas e os via tão pequenos, mergulhados em questões superficiais, tão mais preocupados com a aparência e a vida do próximo do que delas próprias. Achava que perdiam tempo. Sofria por vê-los tão ignorantes, sem curiosidade, sem vontade de aceitar ou buscar o novo, apáticos, admitindo cegamente tudo que lhes era imposto. Não entendia porquê julgavam-se uns aos outros tão ferozmente, sempre prontos a apontar o dedo ao mínimo indício de falha alheia e pior: na grande maioria das vezes falavam sem saber, simplesmente presumiam com base na parca bagagem que tinham. O mais estarrecedor de tudo é que pareciam idiotamente felizes. Tinham ambições comuns e eram formatados para isso: nascer, crescer, casar e procriar, buscar estabilidade financeira. Um belo carro, uma bela casa, um belo corpo. Os que alcançavam esses feitos eram considerados vencedores. E depois morriam, e outro deles nascia, e o ciclo continuava interminavelmente. Entre esses, alguns por vezes se mostraram mais evoluídos: apesar de toda a formatação que haviam sofrido foram mais a fundo, questionaram, e compreenderam a mediocridade humana. Esses escapavam. E Ele realmente acreditou que tivesse encontrado um jeito de viver entre eles. Até agora. De repente Ele se pegou andando pela casa, aflito, murcho. Sentia-se como uma bomba relógio prestes a explodir. Já estava impossível continuar fingindo, e aceitar aqueles pequenos humanos se tornou uma tarefa mais extenuante do que o normal. Era o limite. Mergulhou num enorme conflito: que direção seguir? Sim, estava tudo calmo porém muito sem-graça, Ele sentia-se sendo minado aos poucos e achava que a qualquer momento iria simplesmente se apagar. E Ele sabia que era fogueira demais pra se deixar virar fagulha. Decidiu abdicar da calma. Passou a buscar os seus iguais, e lentamente ao longo da estrada os foi encontrando, um a um. Nesse momento não eram muitos, mas eram os dEle. Aqueles ali o entendiam e partilhavam das mesmas convicções, viviam de forma parecida. Depois descobriu que nunca seriam tantos, não era pra ser assim. Existia a maioria, e existiam eles. Enfim, um pouco de paz. Continuou convivendo com aqueles humanos tão estranhos, mas reservou para si e para os seus as suas partes mais vivas porque necessitava ser compreendido. Fechou-se para a pequenez dos demais e assim conseguiu, de vez em quando, ser feliz.
Genial! Tenho um amigo que vai gostar de ler isso. Dizer que achou um dos "seus", rsrs. Gostei muito desse texto! Me identifiquei bastante e algumas frases até já escrevi de forma diferente em conversas-desabafo de msn, rsrs.
ResponderExcluirBem, se quiser, visite o meu blog: www.alittledelving.blogspot.com . (odeio essa parte porque parece q eu comentei só pra fazer propaganda. Mas não leve a isso, é q preciso valorizar meu tempo, rsrs. BjOos!)
é muito bom qquando existem pessoas que param e pensam: que rumo vou seguir ... pois a maioria é assim como falou, nascem, crescem, trabalham, caam, morrem... não que isso seja ruim, mas seria bom que todos refletissem um pouco e escolhessem o rumo da sua vida, não se deixar levar.
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