O poder hereditário no Gabão

por Fábio Zanini


Este é um roteiro tristemente comum na África:
1-) líder chega ao poder ainda jovem, de preferência num golpe, e vai ficando, ficando...

2-) após uns cinco ou dez anos, coloca seu filho num posto-chave, preferencialmente o de ministro da Defesa (mas pode ser das Relações Exteriores, ou da Informação também).

3-) com 15 ou 20 anos de mandato (ou 30, ou 40...), o dinossauro começa a caducar, ou a ter sérios problemas de saúde. Seu filho ganha mais poder ainda e se torna o presidente de fato.

4-) com a morte do papai, o filhote vira candidato do governo nas eleições “democráticas” marcadas para dali a alguns meses.

5-) a máquina trabalha por ele, os meios de comunicação o bajulam e a oposição fica amordaçada.

6-) as urnas são abertas e...surpresa! O filhinho assume o lugar do pai.

Esse ciclo acaba de se completar no Gabão, um país no oeste da África que tem muito petróleo e muita pobreza. Ali Bongo acaba de vencer a eleição provocada pela morte de seu pai, Omar Bongo, em junho, após nada menos do que 42 anos no poder.
Nessa eleição chegou até a haver um esboço de reação inconformada de entidades da sociedade civil e algumas celebridades gabonesas contra o roteiro mais do que previsível. Mas restringiram-se a setores da elite exilada e não foram páreo para a máquina oficial.
A vitória de Bongo júnior levou aos inevitáveis protestos de ruas de oposicionistas, apontando evidências de fraude. Mais de 50 foram presos na cidade de Port Gentil. Como também costuma acontecer nesses casos, prédios e locais relacionados aos antigos colonizadores (os franceses) foram os mais atingidos.
Serão talvez alguns dias de protestos, pancadaria, e depois tudo voltará ao normal.
Bonguinho já assume tendo que se fiar na estrutura de segurança. Sua legitimidade é questionada, ainda mais porque, no sistema político gabonês, não existe segundo turno, e ele ficou abaixo dos 50% dos votos (a explicação para isso é que seu pai concorria basicamente como candidato único).
O mais assustador é que é provável que não tenha havido fraude nos moldes clássicos: votos queimados, urnas estufadas etc. Não é necessário: a máquina clientelista e de propaganda sufoca qualquer possibilidade de uma concorrência leal.
Haverá protestos da comunidade internacional e a gradual aceitação do novo presidente. Que um dia provavelmente cederá o lugar para seu herdeiro, como num episódio de “The Tudors”...


Fonte:penaafrica.folha.blog.uol.com.br

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